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Frankj Costa
São Luís / MA

 

L' oblit *

 

–É POSSÍVEL?!

Do interior duma casa antiga, com paredes nuas, de madeira, o grito parecia ter sido dado por uma alma que passasse por tormentos inimagináveis para qualquer mortal...

Dois homens, sentados a uma mesa que já conheceu dias melhores em sua existência tabular, cada um numa extremidade da pequena mesa: pratos amontoados, comida espalhada... Baratas arrastando-se pelos cantos daquele cômodo que já há muito sofre com a incúria de seus ocupantes.

Súbito um deles se levanta abre os braços e, olhando com mágoa para todo o lugar e para o outro homem a sua frente, fala numa voz dura, quase gutural, como se buscasse velar os sentimentos que os olhos já traíram:

–Construo isto aqui para o que? Para quem? Para ti?? Háh! Há muito que não demonstras qualquer interesse em minhas invencionices; minhas odisseias ordinárias, meus contos de sarjeta.

O outro homem, que permanecera sentado à mesa, olha com profunda tristeza para aquele a quem já amara um dia; mas que agora já não reconhece como seu Herói (como fora um dia):

–Não sou nenhum deus, ou se me pareço, não carrego comigo sua paciência... O que tínhamos desgastou-se! Não sei como, não sei por quê... Mas já não nos fazemos mais bem, vivemos às turras. Brigamos por migalhas de pão!! Não sei se fui eu, se foste tu. Ou se simplesmente, acostumados já à presença um do outro, nos descuidados. Nos atiramos aos chacais do tempo, rotina e indiferença! NÃO SEI!!!!! Mas nossa situação já é insustentável. Peço de novo: me deixa ir! É melhor pra nós dois. Pra ti!

O homem de pé (alto, quase 2m de altura, de um amorenado na pele que certamente não vê o sol há muitos meses empalidecendo) riu de forma dura, deu a volta na mesa, aproximou-se do que estava sentado e sussurrou sibilante como uma serpente peçonhenta:

–É este o deus que amei um dia(?): uma presença defunta, um fantasma, como aquele rei do Hamlet, a me pedir justiça... Liberdade!

Mordendo o lábio inferior, ainda mais pálido que o resto de sua pele; aquele pequeno homem ali sentado, indefeso... Respirou fundo levantou o rosto olhando o primeiro profundamente nos olhos:

–Eu preparei todas as mentiras... Eu fraudei o que não deveria ter sido fraudado!! Me arrependo! Mas não menti quando te amei!


Em momento algum menti ao estar sob as cobertas contigo. Jamais te menti isto. Sabias! Podias ver!! Menti sobre quem eu era, sobre minha família. Mas não sobre o que sentia! Deixa-me ir!

O primeiro homem se afasta, anda em torno da mesa. olha o outro que sentado ali, parecia tão pequeno... Tão inofensivo. "NÂO!!" pensou ele de súbito "Não vou me deixar amolecer!!". Riu um pouco e disse:

–Eu trago agora no coração uma floresta em chamas, nos olhos apenas dor... Ele é interrompido pelo segundo homem que chorando copiosamente diz que já passou da hora de se separarem! Continuar naquilo destruiria a ambos. Ele próprio já fora, não queria que seu amado também fosse.

Neste momento o primeiro homem, deixa cair uma lágrima.
Novamente se aproxima da mesa, agora empunhando uma esponja que pegara na pia quando passou próximo.

–Fuja de mim, então. Queres partir, e já não consigo mais te ver neste estado deplorável. Eis a verdade: Os mortos temem somente o esquecimento... Mas tu já não o temes mais.
Desejas o oblívio tanto quanto - ou mais - que eu te desejo aqui. Mas tens razão: Não faz mais sentido continuarmos aqui. Não te posso mais ferir. A não ser quando firo a mim próprio. Portanto: parte! Eu te liberto agora.

E com a esponja, aquele homem de quase dois metros de altura, mas magro como se não comesse há muitos dias; começou a apagar um intrincado desenho feito sobre a mesa. Que jazia escondido entre os pratos e restos de comida.
Enquanto o desenho era desfeito, o homem que permanecia sentado sorriu ternamente, disse "eu te amo" apenas com os lábios, sem emitir som audível e começou a desaparecer.
Contudo, antes que desaparecesse duma vez, o primeiro homem o olhou nos olhos (que agora malmente eram uma sombra de olhos) e disse:

–Eu sei! Também te amo.

E com estas últimas palavras, o segundo homem sorriu ainda mais e desapareceu, enquanto a luz dum novo dia começava a entrar pelas frestas das tábuas daquela casa antiga.

* L' oblit: "esquecimento", em catalão.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016