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Sergio Tavares
Maceió / AL

 

Certo por pernas tortas

 

Piabetá era um bairro pacato, de interior, com traços ainda de épocas históricas do Brasil imperial. Talvez eu esteja exagerando, mas fazendo uma viagem no túnel do tempo, essa é a impressão que tenho dos primeiros anos de minha infância, nas lembranças que estão vindo à tona agora, desse período, em que eu devia ter uns quatro anos de idade.
Em frente à casa em que morávamos, havia uma “estrada de ferro”, onde outrora passava a locomotiva também conhecida por “Maria Fumaça”, devido aos vapores e fuligem que soltava por sua chaminé. Apesar desse trecho já estar desativado, eu vivia curioso na esperança de ver algum trem passar por aqueles trilhos, por onde um dia passou a velha “Baronesa” levando a família de D. Pedro II, para o alto da Serra dos Órgãos.
Apesar do medo que tinha das locomotivas imaginárias, às vezes conseguia fugir para as ruas, longe das vistas de mamãe, e ficava olhando a linha de trem, imaginando a distância que me separava do mundo. Ficava ali, sentado, pegando as pedras de brita, olhando para o infinito céu azul anil.
Ainda não havia sido construída a ponte Presidente Costa e Silva, que, hoje, liga o Rio de Janeiro à Niterói, e a ligação com a cidade de “Arariboia” era pelos caminhos de Magé ou pelas barcas que faziam a travessia nas "límpidas" águas da Baía de Guanabara, que ainda não estavam poluídas pelos esgotos da população. Lembro que eram limpas, pois costumávamos tomar banho nas praias de Mauá, e não havia a lama que existe atualmente.
Ficávamos à beira-mar com mamãe, mergulhando aonde podíamos ver os cardumes. Meu gosto por pescarias vem daí, pois lembro de meu pai pescando com um “varejo”, que ele arremessava depois de girar por algum tempo, perigosamente, sobre sua cabeça.
            Pelo centro de Piabetá, passava um rio onde se podia pescar, e que era atravessado por pontes estreitas de madeira. Há alguns anos, uma grande obra o encobriu por uma laje de concreto e no local foram construídos bares, praças e parques de diversão. E hoje, resignado e silencioso, o rio que virou uma vala, agoniza debaixo do ferro e do cimento, imperceptível e desconhecido das pessoas que ali residem, e se divertem sobre ele nos momentos de lazer.
            Ali perto, fica a cidade de Petrópolis, que pode ser vista à noite, no alto da serra, como se fosse uma constelação iluminando o horizonte. Não tenho lembranças de ter ido lá nenhuma vez quando criança, mas sempre soube da existência da estrada que liga Pau Grande à “Cidade Imperial” e, ouvia mamãe falar sobre os perigos da antiga estrada estreita com curvas fechadas, calçada com grandes pedras, com o suor e o sangue dos escravos.
            De vez em quando, ouvia alguém falar que um ônibus desgovernado havia caído no abismo das serras e, normalmente, com grande número de mortos, e isto, me causava tremendo medo dessa estrada fatal.
            Somente anos mais tarde, já adulto, resolvi conhecer aquele antigo caminho, já praticamente abandonado; resultado do esquecimento do valor histórico e, da falta de consciência da necessidade de preservação da memória do país. Por esse itinerário, a família imperial se dirigia ao Palácio, onde passava o verão, antes da construção da ferrovia, - viajando nas carruagens puxadas por cavalos.
            No caminho passei pela localidade de Pau Grande que é a terra natal de “Mané Garrincha”, grande jogador de futebol do Botafogo e da Seleção Brasileira, que ficava a poucos quilômetros de onde morei na infância. Foi lá que o garoto "Manuel" começou a jogar bola aos quatorze anos e, também, onde seus restos mortais foram sepultados no cemitério local, atendendo a um desejo do craque, demonstrando o seu amor ao berço onde nasceu.
            É um lugar agradável, com casas em estilo colonial, e que nessa visita, apreciei sua paz interiorana e bucólica, de clima ameno, madrugadas encobertas por névoas, entre serras verdejantes e floridas, como se a primavera fosse sempre a única estação a reinar durante o ano.
Ao visitar o Estádio "Mané Garrincha",  batizado com o nome que o imortalizou nos campos mundo afora, senti calafrios ao constatar, que vivi ao longo de minha infância, tão perto do craque que tanto idolatrei quando fiquei adulto, sem nunca ter tido a mínima noção deste vizinho ilustre.
Ali, parado, diante do campo, comecei a imaginar o grande ídolo a jogar bola na minha frente e vislumbrei o "anjo das pernas tortas” a correr por aquele gramado, cercado pela belíssima paisagem, rumo à meta do time adversário.
E confesso que fiquei extasiado ao ouvir, ecoando com o vento forte, os gritos da torcida berrando seu nome, enquanto ele carinhosamente chutava a pelota e corria para comemorar mais um gol de placa.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016