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Hélio Sena
Massapê / CE

 

A cruz

 

 Seu pai era marceneiro, e foi com ele que João aprendeu o ofício.
Logo virou um profissional exímio.
Um dia, já homem feito – depois de fabricar uma porção de mesas, armários, cadeiras e até caixões de defunto –, resolveu fazer uma cruz.
Para ele, segundo o próprio.
Queria morrer pregado nela.
“Você quer ser Jesus Cristo, é?, disse sua mulher, ao saber daquele disparate.
“Claro que não!”, replicou ele.
“Então, por que essa loucura? Eu não te entendo!”
“Nem eu...”, tornou ele. “Nem eu me entendo, às vezes...”

...

Um mês depois, a cruz ficou pronta.
Os vizinhos, que tinham acompanhado todo o processo de feitura do madeiro, perguntavam, perplexos:
“Mas, João, você tem mesmo coragem de morrer crucificado?!”
“Tenho.”
“E quem vai pregar você na cruz? Você não pode se pregar sozinho, pode?”
“Não.”
“Pois então, como é que vai ser?”
“Na hora certa todos saberão.”
Os vizinhos, penalizados, balançavam a cabeça.
João havia enlouquecido. Coitado.

...

Certa noite, enquanto jantavam, João disse de repente:
“Maria, sexta-feira que vem será o grande dia.”
“O que é que tem?”
“A crucificação. A minha.”
“Pare de bestagem, homem. Sossegue. O melhor que você faz é me deixar usar aquela cruz como lenha, assim a gente economiza gás.”
João sorriu.
A mulher só podia estar de brincadeira.

...

No dia seguinte, inesperadamente, Maria foi embora para a casa dos pais. Subiu no pau-de-arara com as duas malas e só fez dizer para o marido:
“Adeus, João.”
Ele, de pé na varanda, calado estava e calado ficou.
Quando o caminhão sumiu numa curva da estrada, João levantou-se, entrou no pequeno galpão onde estava a cruz, e, ajoelhando-se diante dela, disse:
“Pronto... Começou o meu calvário!”

...

Sexta-feira chegou. João passou o dia numa inquietação danada. Tudo parecia nebuloso, e foi assim, nessa nebulosidade, que mais uma semana transcorreu.
Na sexta seguinte, João teve febre alta, altíssima!
À noite, foi dormir pensando na esposa. Ela tinha razão... A cruz daria uma boa lenha. E logo agora que estava sem dinheiro, e o botijão de gás havia secado.
Mas depois, sério, reconsiderou: e se aquela ideia não passasse de uma tentação do diabo, para fazê-lo declinar do seu intento, dando adeus à crucificação?
Melhor analisar aquela situação com calma, pensou.
Estava disposto a suportar todo e qualquer castigo, desde que não tivesse que ir para o inferno.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016