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Letícia Alvarez Ucha
Porto Alegre / RS

 

Joana e Mário

 

Joana e Mário eram dois irmãos que viviam com sua avó na periferia de uma cidade grande. A beleza de ambos era de chamar a atenção. Um dia, ao voltarem do colégio, perceberam que a avó estava desacordada. Aproximaram-se e viram que ela não estava respirando. Começaram a chorar. Ela estava morta. Com medo de irem para o orfanato como seus vizinhos que ficaram órfãos, combinaram de não contarem a ninguém o ocorrido. Ela era a única parente viva, além da tia Mariane que fora tentar a vida como faxineira no Canadá.
A comida foi terminando e o pouco dinheiro que tinham guardado também. Passaram a alimentar-se somente de pão. Engordaram.
Os vizinhos começaram a comentar que um cheiro estranho vinha da casa deles. Marilza, a vizinha que morava em frente, suspeitou de algo estranho e foi fazer uma visita.  Bateu à porta.
- Olá, Joana, vim trazer este pedaço de bolo para sua avó. Faz dias que não a vejo. - Disse em tom intrigado.
- Ah, ela está no quarto descansando. Pode me dar que entrego depois. – Disse Joana apontando para a porta do quarto onde estava a avó.
Marilza achou a casa uma bagunça e com um cheiro insuportável. Resolveu levar o caso ao Conselho Tutelar.
No dia seguinte, ao voltarem do colégio viram a mesma assistente social que levara seus vizinhos órfãos para o orfanato chegando à casa deles. Havia um carro do DML. Olharam-se e correram o mais rápido que puderam.
Pegaram um ônibus e desceram sem pagar. Caminharam e foram sentar no banco de uma praça. Começaram a olhar as outras crianças comendo e ficaram loucas para devorar algo também.
Bruna uma moça alta de rosto fino e nariz proeminente ficou encantada com a beleza dos dois. Comprou dois sacos de pipoca e aproximou-se de ambos.
- Vocês dois parecem com fome! Aceitam estes sacos de pipoca? Tenho também estes saquinhos de doces. Trouxe para meus sobrinhos, mas somente um veio. Sobraram estes. - disse sorrindo.
Os irmãos balançaram a cabeça. Neste tempo chega o “sobrinho” de Bruna, um menino esperto aparentando ter uns nove anos.
Os três começam a brincar e Zeca convida-os para ir à casa da sua “tia”. Eles vão.
Chegando lá, era uma casa repleta de brinquedos de última geração e eletrônicos. Havia uma sala enorme que mais parecia um salão de festas infantil. As crianças riam e se divertiam. Ao entrarem na sala acharam estranho que na porta havia uma grade.
Mário perguntou :
- Por que esta grade com  chave?
Bruna respondeu:
- É para o meu cachorro não entrar aqui e fazer bagunça.
Os dois acreditaram e todos foram brincar. Enquanto isso, Bruna liga para o exterior:
- Já encontrei crianças como a agência do exterior queria. Eles são perfeitos para a campanha publicitária. Só estão um pouco gordos.
- Ok, coloque-os em forma e depois entre em contato. Se gostarmos, você receberá um alto valor como cachê.
Zeca diz às crianças que terá que ir ao banheiro. Os meninos nem se dão conta. Quando sai, ele os tranca na sala. Estão brincando e gritando tanto que nem percebem.
- O Zeca  está demorando né? – Disse Mário.
Neste momento chega Bruna e grita:
- Calados! De agora em diante vocês ficarão comigo. Preciso de vocês dois magros. Aqui está o jantar de vocês um prato de salada.
As crianças começaram a gritar por Zeca. Este de longe, vê o que está acontecendo e sai correndo.
Zeca era uma criança que Bruna usava como isca para atrair novas vítimas. Em troca dava comida e remédios para seus irmãos e mãe inválida.
Os dias foram passando e Bruna ou a “bruxa” como os irmãos a chamavam conferia através da grade o peso deles. Todo santo dia exigia que eles se pesassem. Os dois não estavam emagrecendo. Então, a cada dia Bruna lhes dava menos comida.
Zeca, vendo tudo isso começou a sentir pena dos dois. Lembrou da história que ambos haviam lhe contado. Então, quando Bruna saía para “trabalhar” o menino vinha e trazia várias guloseimas e comidas calóricas para os irmãos.
Tomem, comam bastante e rápido antes dela voltar. Não deixem nenhum vestígio de comida e deem tudo para eu colocar no lixo enquanto ela não chega. Assim vocês engordam e enquanto isso pensamos em algo para libertá-los.
Ao invés de levar Zeca consigo, Bruna mudou a tática e mandou-o cuidar dos meninos.
Um dia, Joana disse: 
- Por que essa bruxa vive tomando injeção?
Zeca explicou:
- É porque ela tem diabetes e é louca por doces!
- Tive uma ideia! Vamos dar mais açúcar, sem que ela perceba. Coloca açúcar a mais nos doces, ela passará mal e você terá que chamar um médico para salvá-la. Ele nos verá e chamará a polícia!
- Não sei.. não quero matar ninguém. A bruxa, digo Bruna ajuda minha família...
- Mas você não matará! Ela só se sentirá mal. Eu quero ser livre, não quero ficar presa – disse Joana.
No dia seguinte, Bruna estava tomando suco de laranja e devorando bombons. Enquanto foi conferir o peso dos irmãos, Zeca foi até a cozinha e despejou punhados de açúcar na jarra.
- Que diabos, vocês estão cada vez mais gordos e só dou salada para vocês! Eu preciso de vocês MAGROS!
Com medo os irmãos ficaram quietos. Bruna foi até a cozinha e bebeu seu suco.
- Quer um pouco de suco, Zeca? Está super doce esta laranja!
- Não. – Disse - abaixando a cabeça.
Duas horas depois Bruna começa a passar mal. Zeca apavora-se e liga para o SAMU.
Joana implora que ele chame a polícia. Ele diz que chamará, mas com uma condição: que não contassem aos policiais sobre sua existência. Sem alternativas, concordaram.
Ele ligou para polícia e fugiu.
Quando os policiais e o SAMU chegaram encontraram as crianças presas e a mulher agonizando. O caso ganhou todas as manchetes.
 Os irmãos foram para o orfanato. Alguns dias depois, receberam uma visita: era sua tia Mariane que voltara do Canadá com dinheiro que havia juntado. Ela ficou com a guarda dos sobrinhos. Bruna após liberada do hospital foi indiciada em processo penal. Uma loja contratou os irmãos para uma campanha publicitária visando o público plus size infantil.


 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016