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Mercedes Oechsler
Blumenau / SC

 

Golpeada por carência afetiva

 

Certa vez, uma senhorinha, lavradora,  vinda do interior, foi ao Banco no centro de sua cidade para sacar o valor de sua parca aposentadoria, mais a quantia ínfima  da aposentadoria  de ruralista de seu marido.
Entrou no Banco, foi ao terminal de caixas eletrônicos, olhou... e não entendeu nada. Achegou-se à fria caixa... olhou... analisou... e agora? Todos os meses a mesma coisa. Recebia instruções do procedimento de auxiliares do banco, mas quando voltava no mês seguinte, não se lembrava mais.  
Havia fila de pessoas esperando a sua vez  e, como não havia nenhum auxiliar do banco aí por perto, chamou o primeiro pedindo ajuda. Esse, muito gentil, atendeu, explicou educada e pacientemente o procedimento. Depois solicitou que digitasse sua senha e fez menção de se virar. Mas a doce e ingênua senhorinha deu-lhe um pedaço de papel com duas senhas, deixando a digitação a cargo do educado mocinho. O bondoso e gentil jovem perguntou  qual das duas senhas e, a simplória senhorinha, respondeu que a primeira é a senha de sua própria conta e a segunda, de seu marido que também precisa sacar ‘a posteriori’.
Sua quantia foi sacada e, portanto, finalizada esta operação.
O digno jovem deu um passo para voltar ao seu lugar na fila, dando por encerrada sua ajuda, quando a senhorinha chamou-o de volta para ajuda-la na operação do saque da conta de seu marido.
Nesse momento, mais um jovem se prontificou a auxiliá-la em suas dúvidas, acercando-a e lhe dando instruções verbais para futuras operações, enquanto o primeiro realizava o saque no caixa eletrônico. Tudo finalizado a contento, a doce senhorinha enfiou o dinheiro na sua bolsa, guardou os cartões do Banco em sua carteira, guardando-a, também na bolsa e, com regozijo jovial e muito agradecida aos dois prestativos mocinhos , saiu do Banco.
A uns vinte metros do Banco, a senhorinha andava a passos lentos, quando  os dois cautos rapazes também saíram e caminharam na mesma direção da improvidente senhorinha, com passos apressados, alcançando-a. Conversavam animadamente, ficando ela entre os dois.
 - Onde a senhora está indo?
- Até o ponto de ônibus lá em frente. (a uns 100 metros)
- A senhora vai para casa?
- Sim, embarco no ônibus logo aí em frente e sigo até o próximo terminal, onde preciso baldear. Agora são quase 12:30horas, devo chegar em casa pelas 17:00horas.
- Nossa, mora longe, heim?
- Sim. Nossa vida é na roça. Trabalho duro, moço.
- Quer se desfazer do peso de sua bolsa? Eu a carrego até o ponto de ônibus. Facilita seu caminhar.
A trôpega senhorinha, totalmente, emocionada e atraída por jovens de tão bom coração oferecendo-lhe tanta atenção e carinho, e ao mesmo tempo, admirada com o requinte de comportamento desses simpáticos e amáveis rapazes, por sinal, muito bem trajados, não teve dúvida em lhes entregar a sua bolsa. E a conversa entre eles fluía, animada, entusiasmada...
Do ponto em que estavam caminhando, uns quinze metros antes do ponto de ônibus, há um beco com residências e uma hamburgueria na esquina. É uma casa de lanches e ‘point’ de ‘happy hour’. No momento que o trio se aproximava do estabelecimento, havia muita gente lanchando, então os dois rapazes convidaram a senhorinha para tomar um suco e comer alguma coisa. Ela, no entanto, resistiu porque o ônibus poderia vir a qualquer instante e não queria perde-lo para não chegar muito tarde em casa. Os dois corteses rapazes, insistiram até que ela, muito feliz, aceitou.
Escolheram uma mesa, perto da porta por onde entraram, sugestão do inteligente e obsequioso moço, explicando que assim veria o ônibus e haveria tempo de embarcar, caso viesse enquanto estivessem lanchando. O garçom veio atende-los, o trio fez o pedido e enquanto esperavam, um dos nobres rapazes, pediu licença, foi ao banheiro, que fica nos fundos onde há mais uma porta de entrada/saída e, o outro, seguiu-o dizendo lavar as mãos.
Depois de esperar bastante, os dois rapazes não voltando a mesa, a crédula senhorinha verificou que sua bolsa não estava em nenhuma cadeira, nem na mesa, nem em lugar algum  e, apreensiva, olhou pros lados assustada e amedrontada, sem saber o que pensar e o que fazer. O garçom trouxe o pedido de um lanche e bebida e ela perguntou pelos dois mocinhos. O garçom informou que suspenderam seus pedidos e saíram pela porta lateral.
Foi aí que a pobre soube o que estava acontecendo.
Saiu do estabelecimento, falando coisas desconexas entre soluços, berros e choro, até cair sentada no meio-fio. Atraídos pelos gritos, alguns moradores se achegaram querendo ajudar, mas ninguém sabia como, pois não sabiam do ocorrido e ninguém entendia o que e do ela falava. A confusa senhorinha, sentada, encolhida e abraçada aos seus joelhos, não parava de chorar, gritar e falar ao mesmo tempo. Talvez estivesse em estado de choque.
Até que uma moradora do beco saiu de sua casa com um copo de água e deu-o de beber, sugerindo que sorvesse devagar para não se afogar. Foi o bastante para que a comiserada senhorinha se acalmasse, e explicando o que de fato lhe havia acontecido, já com pranteio e preocupação com o que diria ao marido quando chegasse com atraso em casa e sem o valor das aposentadorias. Era a quantia para os remédios e contas a pagar.
Houve quem telefonou à polícia, mas esses não encontraram mais os larápios. Os moradores aí presentes juntaram dinheiro para a senhorinha pagar sua despesa na hamburgueria e pagar suas passagens para chegar a sua casa, sobrando mais algum para eventualidades. Uma das moradoras propôs leva-la ao terminal, mas, muito envergonhada, ela recusou dizendo que já arranjou confusão demais para aquela tarde.
Nunca mais se soube dela. Embora fosse da mesma cidade, ninguém a conhecia no local. Foi apenas mais uma vítima, anônima, dos tantos e tantos golpes e espertezas de oportunistas inescrupulosos, que acontecem diariamente nesse nosso mundão.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos do Vigário e outras Picaretices" - Julho de 2016