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Sergio Tavares
Maceió / AL

 

Presença de Deus

 

Tchekovinsk tentava reencontrar memórias de sua juventude, mas havia um enorme abismo entre a realidade e o mundo pretérito.
- Seu velho besta, pare de perturbar e vai dormir! - esbravejou Eva, sua companheira.
Era tudo que Tchekovinsk não queria ouvir.
O medo da velhice o açoitava desde sua juventude. Ele, agora, estava com pouco mais de cinquenta anos de idade. E isso representava uma eternidade para ele. Sempre alimentara o sonho de chegar aos cem anos, mas as dificuldades no caminho foram esmaecendo sua convicção, e achava muito difícil conseguir viver com saúde por mais cinquenta anos, especialmente num mundo tão complexo, com o meio ambiente degradado e poluído, num país cuja economia estava em ruínas.
O mundo ao seu redor estava podre. A corrupção dominava as entranhas da política. A mídia divulgava uma sórdida podridão a cada instante, uma trama inescrupulosa urdida nos mais altos escalões do poder para derrubar o governo. Enquanto o povo sofria, com sua voz sendo asfixiada pelo jugo da elite conservadora. E isto entristecia cada vez mais Tchekovinsk.
- Seu velho besta! - a voz de Eva ecoava.
Sentiu-se velho realmente, enrugado, de cabelos brancos, com as juntas doloridas, sem rumo, longe de tudo e de todos, mentalmente envelhecido.
Apesar de ter passado para a reserva da força policial, continuava trabalhando, em um quartel diferente de La Bonek.
Não conseguia fugir do mundo consumista, por causa das obrigações que assumira. Tinha vontade de fugir do caos da cidade. Morar numa área rural, criar galinhas, cultivar uma plantação de mandiocas em um pequeno sítio. Caçar, pescar, beber água de alguma fonte ainda existente.
Não conseguia entender a engrenagem devastadora do capitalismo, uma teia que envolvia as pessoas de forma fatal. Precisava trabalhar ainda para pagar pelos caprichos de Eva. Trabalhava ainda por pura necessidade, e por sua mulher, que agora o chamava de "velho besta".
Buscou forças nas parcas lembranças de seu pai, que definhava longe dele. O senhor Karpov sofria de uma demência, que consumia aos poucos seus resquícios de vitalidade. Ele morava em Berlim, num pequeno apartamento de um bairro chamado Mitte, onde caminhava pelas ruas próximas ao Portão de Brandeburgo.
Tchekovinsk lembrou da última visita que fizera a seu pai, quando ainda bastante lúcido, ele lhe abraçou e disse para que seguisse sempre em frente, apesar de todos os pesares. Mesmo assim, Tchekovinsk se sentia impotente diante da impossibilidade de mudar o passado, muito menos o futuro.
Estava fadado a encarar a realidade, enquanto o tempo fugia por entre seus dedos.
O tempo passara por ele como uma tsunami, levando além da juventude, seus sonhos...
Tchekovinsk sentou-se em uma cadeira e começou a chorar.
E quando pensou que tudo estava perdido, sua filha, a pequena Krupskaya, de 4 anos de idade,  lhe perguntou:
- Por que você está triste papai?
- Por tudo filha. Estou me sentindo um velho.
- Não fique triste papai. Deus está ao seu lado. Ele sempre estará perto de você, papai – disse a inocente Krupskaya, enquanto acariciava seus cabelos brancos.
Tchekovinsk olhou para ela sem acreditar no que estava ouvindo e a abraçou com ternura.
Percebeu, então, que tinha um grande motivo para lutar, e acreditar que podia ser feliz.
Ele sentiu, naquele momento, a presença de Deus ao seu lado.

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos do Vigário e outras Picaretices" - Julho de 2016