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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

O caso do terno preto

 

          Todos dizem que aconteceu de verdade e riem do ocorrido. Eu não presenciei, mas acredito que o fato assim se passou:
          O senhor Zé, pessoa de estatura baixa, casado, pai de três filhos, duas moças e um rapaz, exercia a profissão de alfaiate. Vida simples e honesta. Estudou seus filhos à custa de muito trabalho.
          Tomada de medida dos fregueses, corte do tecido, costura, prova, peça pronta. Esta foi, durante muitos anos, a rotina do senhor Zé. Trabalhava duro até altas horas da noite. Tinha uma freguesia fixa e fiel que recebia suas calças, paletós ou ternos e pagava bem pelo serviço que considerava muito bom.
          Ainda relativamente jovem, a vida lhe preparou uma cilada. Uma tarde, locomovendo-se da parte baixa para a alta da cidade num ônibus circular, a tragédia aconteceu. Ao saltar pela porta traseira do ônibus, descuidado, não percebe um carro que se aproxima. É atropelado e morre.
          A família em choque chora pelo ente querido tão prematuramente e de maneira estúpida, arrancado da vida.
          O velório é preparado e o corpo velado. Foi enterrado, findando, portanto, a carreira brilhante do senhor Zé, o alfaiate.
          Outro senhor, Pio, muito conhecido na cidade, acabou entrando sem planejar, na história do senhor Zé alfaiate.
          Maçom que era, precisava do seu terno preto para usar numa cerimônia de iniciação da maçonaria. Resolveu experimentar a roupa com alguns dias de antecedência para ver se ainda lhe caía bem. Percebeu que a calça lhe apertava a cintura e o paletó não fechava adequadamente o botão. Tirou o traje e no mesmo dia o levou para o senhor Zé alfaiate, o melhor da cidade, na certeza de que tudo estaria resolvido.
          Ao receber a notícia da morte do amigo ficou triste e foi tomado de uma dúvida cruel. Como pegar o seu terno para a cerimônia? Estaria pronto? Como ir, depois de um dia do enterro, à casa da viúva? Matutou muito e resolveu enfrentar a situação. Foi e bateu à porta da casa. Atendeu a filha do falecido, e ele, apesar de sentir uma vontade imensa de dar meia volta e ir embora, desculpou-se mil vezes por estar ali e explicou o ocorrido.
          A moça gentilmente pediu-lhe que esperasse, pois ela procuraria pelo terno preto na alfaiataria anexa a casa.
          O senhor Pio esperou durante muito tempo. Já estava ficando inquieto quando viu que a moça retornava. Não veio sozinha e sim acompanhada de uma tia, irmã de sua mãe. Tinham no semblante um ar de riso contido e nada de terno na mão. A tia, então, falou ao tropelos:
          -Senhor Pio, o senhor terá de nos desculpar pelo ocorrido. Fui eu que levei para a funerária a roupa que o Zé seria enterrado. Peguei o terno preto que estava todo preparado num cabide, dentro do seu quarto. Cheguei até a pensar: parece que o Zé estava adivinhando sua morte, já deixando separada a roupa do enterro. Só agora minha sobrinha disse que este terno estava pronto para ser entregue para um freguês. O Zé foi enterrado com o seu terno, senhor Pio.
          Este saiu dali incapaz de fazer comentários. Também o que diria? A comemoração maçônica que ficasse para outra vez. Pensou lacônico: ainda bem que tínhamos a mesma estatura.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos do Vigário e outras Picaretices" - Julho de 2016