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Teresa Cristina Cerqueira de Sousa
Piracuruca / PI

 

Lá na casa do Zeca Mariano

 

     A casa era rodeada por uma cerca de arame, que em todo seu comprimento foram plantados pés de mandacarus. A intenção era que os espinhos da planta ajudassem na defesa da propriedade, sobretudo, de algum ladrão mais afoito. Contudo, ainda não se tinha ouvido falar de um único caso sequer de um ser humano que tentasse pular a cerca da casa do Seu Zeca Mariano. Comum era se enxergar a flor do mandacaru servir de alimento para aves e abelhas, principalmente, ainda nas horas iniciais do sol, pois que este fazia seu calor murchar a flor de características brancas, que tem seu desabrochar durante a noite.
As cadeiras da varanda da casa estavam vazias, frias em seus braços de ferro nos quais se viam por baixo dos fios de plásticos que os cobriam um pouco já de ferrugem devido ao tempo que passavam ao relento da chuva e à exposição do sol. Ali, sempre fervilhava de gente conversando com o dono da casa – um senhor de idade avançada que adorava contar causos. Em todo o povoado, contando as casas dos parentes e dos vizinhos, que chegavam a uns vinte lares, Seu Zeca Mariano tinha a fama de ser um grande proseador ou, num bom sentido, um mentiroso.  
Naquele cair de tarde, quando o calor do sol ainda batia no fim da rua de terra como um pano longo amarelo e quente, Dona Maria, prima e vizinha de Seu Zeca Mariano, caminhou em direção ao portão da frente da casa dele. Ela mancava de uma perna, devido a uma paralisia infantil, e como também já tinha seus mais de sessenta anos os passos eram lentos e pesados como se estivera fatigada de estar em pé o dia inteiro.
Pesava, então, por debaixo de seus chinelos a terra fina do caminho varrido com vassouras de alecrim, que a esposa de Seu Zeca Mariano passava na areia todas as manhãs para abrir mais a visão da entrada da residência familiar. Os passos eram de um rumor conhecido, depositando no ar ruídos de amizade e de vibração nalgumas folhas das plantas do cercado que o vento trouxera.
Dona Maria, impressionada com a cor do sol se pondo no final da tarde, abriu o portão desatenta e caminhou em direção à varanda. Era esse o local em que mais ficava, pois era mister gostar de ouvir as histórias de Zeca Mariano como todos da região.
Não era possível que a casa estivesse vazia! Os sons das galinhas e de alguém lá pela cozinha, fê-la fazer gesto de subir o degrau da varanda e chamar:
— Joana! — já na varanda chamou pela dona da casa sentindo-se confiante de que seria bem-recebida. 
Mas subjugada pelo impossível de que dois cachorros valentes e grandes pudessem sair do local, a mulher ficou momentaneamente sem ação, para tão logo pular de cima da varanda e cair esparramada no chão na direção do caminho por onde entrara. Era forçoso olhar, que ela não teve uma queda simples. Mas, não gemeu ou fez qualquer intenção de gritar por socorro! Talvez, assombrada com o tamanho dos animais, houvesse tido uma espécie de mudez rápida.
E quando lhe caiu nos olhos que naquela posição estava mais exposta aos dentes dos ferozes caninos e quis seguir por aonde viera, notou que um dos cachorros já tinha se postado no meio do caminho, e... ela não podia voltar por ali!
Ao que lhe veio na memória de pular a cerca. Ora, nunca lhe chegara a recordação de que o cercado era protegido por pés de mandacarus. Ademais, o pavor que ficou dos animais parecia ter lhe atribuído forças e agilidade nas pernas que correu até os mandacarus e os afastou com os braços, pulando por cima da cerca apenas calçando um dos pés numa única meada do arame além de usar uma das mãos como apoio para saltar.
Uma vez estando fora da propriedade, correu em direção a casa, ouvindo ao longe os latidos dos cães. Nisto, sentou-se a uma cadeira e deixou o coração querer se habituar ao batimento cardíaco normal.
Neste interim, as filhas surgiram de cômodos da casa.
— O que houve, mamãe? — perguntou a mais velha ajoelhando-se ao lado da mãe, que somente não parecia estar mais branca do que era habitualmente devido à vermelhidão no rosto.  
Dona Maria continuou a respirar apressado, trêmula e assustada, correndo os olhos para a porta por onde entrara:
— Os cachorros do Zeca Mariano!... Correram atrás de mim e tive de afastar os mandacarus com meus braços e pular a cerca de arame, pois os bichos estavam no caminho do portão. Aqueles cães me pagam... Vão se ver com o primo quando eu contar a ele!...
— Meu Deus! Que Horror! Não tinha ninguém na casa para lhe acudir?!
— Não sei, não sei!...
— Mas, mãe, a senhora não tem um arranhão no corpo! Como é que pode? — apressou-se em comentar a outra filha examinando a mulher.
O sol mal era visto no horizonte, colocando-se por detrás de umas moitas de acerolas e por onde os últimos raios queriam ainda entrar pela porta aberta da cozinha. As mulheres conversavam e se notavam as vozes de um prosear gostoso, ao que se ouvia Suzana dizer que aquilo era história parecida com as de Seu Zeca Mariano.
— Mas veja, minha irmã, que mamãe está muito eufórica como se houvesse chegado de uma corrida desesperada... Embora não tenha marcas de nenhum espinho de mandacaru!...  — ponderava Silvana.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos do Vigário e outras Picaretices" - Julho de 2016