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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Vítima do preconceito

          Como era sossegada a vida na pequenina cidade do interior mineiro! A rotina se descortinava diante de cada morador que até já se acostumara a andar e falar devagar, trabalhar num vai e vem cadenciado, receber visitas demoradas nos fins de tardes, repassar histórias de vida para os parentes e conhecidos e hora ou outra se divertir num baile do único clube local.
          Neste lugar, boa parte das pessoas era parente ou pelo menos se conhecia. Nada passava despercebido: o aniversário de fulano, o casamento de sicrano, a doença de beltrano ou o nascimento de adoráveis crianças. Tudo era compartilhado e comentado. Tudo era visto e muitas vezes criticado.
          Vera era filha de um casal, dono do pequeno sítio Mirabela. Aliás, ali quase todos os habitantes tinham um pedaço de chão de onde tiravam o sustento da família. Vera era uma moça bem aparentada, um pouco tímida, que tinha sido mãe em tenra idade. Luan foi fruto de um casamento equivocado.
          Criou a criança sozinha, se bem que amparada pelos pais. Vera era uma filha muito amada e prestimosa. Depois de cumprir sua carga horária como enfermeira num posto de saúde, ajudava seus pais que moravam no sítio, ali permanecendo boa parte da semana.
          A mãe, quituteira de mão cheia, como diziam, fazia junto com a filha e com perfeição, todas as espécies de bolachinhas que eram ensacadas e colocadas à venda. Isto aumentava de modo admirável a renda familiar.
          Terminava uma semana, começava outra e esta era a vida desta pequena família. Luan, um garoto muito inteligente, foi crescendo e se tornando independente. Gostava de estudar e quando terminou o segundo grau, logo se ingressou numa Faculdade para fazer o curso de informática. Ia e retornava da cidade vizinha, onde ficava a escola, toda noite. Era um aluno exemplar que encheu de orgulho a mãe quando, ao se formar, logo arrumou um emprego melhorando a vida dos dois.
          Nesta época, Vera já estava com pouco mais de quarente anos de idade. Desde o casamento frustrado permaneceu sozinha. Agora, sem que planejasse, se encantou por um homem começando um relacionamento amoroso. Engravidou. Ele foi embora. A moça escondeu o quanto pode a barriga que ia crescendo a cada mês. Nesta época sua mãe se encontrava doente e não desconfiou de nada. Mas o fuxico começou.
          -O que é isto? Uma mulher de quarenta anos grávida? E sem se casar? Que desgosto para a família! Só mesmo a Vera para fazer isto. Sabe que ela nunca me enganou?
          E Vera foi vítima do preconceito. Não faltavam pessoas para lhe comunicar os maus ditos. Ela se entristecia e cada vez saía menos de casa. Luan não a condenou:
          -Calma mãe, tudo isto vai passar e teremos um bebezinho para nos alegrar.
          Vera começou a detestar sua barriga, agora já proeminente nos seis meses de gestação. Depressiva, abandonou o emprego e maquinou um meio de se livrar desta criança. Todos os dias, escondida, passou a tomar chá de uma erva aborteira. Não demorou muito para que o efeito fosse concretizado. As cólicas começaram. Primeiro mais espaçadas, depois contrações insuportáveis em pequenos espaços de tempo.
          A menina foi abortada numa noite tenebrosa. Vera olhou para a pequena que não respirava. Embrulhou o bebê num lençol e o enterrou nos fundos de sua casa.
          Vera não sentiu alegria, nem alívio ou tristeza. Somente a apatia a consumia. Disse ao filho que o aborto foi natural e que não queria mais falar naquilo.
          Nos dias subsequentes o tormento maior começou. Todos queriam saber o que tinha acontecido. Batiam em sua casa, mas Vera não atendia. Tampava os ouvidos com as mãos e repetia baixinho: - não aguento mais! A imagem da pequenina morta não a abandonava. Saber que estava na boca dos moradores a atordoava.
          Depois de um mês do acontecido, Luan, ao chegar do trabalho, encontrou a mãe deitada imóvel na cama. Chamou-a, sacudiu-a com força e nada. Vera tinha se suicidado com uma dose enorme de calmante injetado em sua veia com uma seringa que continuava perto de seu corpo.
          Não passou muito tempo para que o corpinho do bebê fosse encontrado...

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Março de 2016