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Anchieta Alves de Santana
Uruçuí / PI

 

E por falar em lições maternas...

 

       Quando adentrei na sala, ela estava, como de costume, confortavelmente sentada em sua cadeira de balanço. Sentava ali todos os dias pela manhã. À sua volta, alguns móveis simples e surrados pelo uso, mas de muitas utilidades. Via-se, numa das paredes branco gelo, um quadro paisagístico, assinado por um artista de nome João Canã, de Uruçuí;  num canto que recebia bastante luz natural, estava, estrategicamente localizada,  uma mesinha triangular com alguns arranjos florais e  uma Bíblia aberta em Salmos; ao lado do Livro Sagrado, um par de óculos destinados, de forma quase exclusiva, aos momentos de leitura; e, na estante amarelada pelo tempo, um rádio à pilha, de marca não conhecida, transmitia a missa matinal. Era “Domingo de Ramos”. Minha mãe ali, atenta ao discurso do sacerdote. E não apenas atenta, ela, em meio tom, rezava junto e, com um terço à mão, fazia os sinais simbólicos conhecidos. Principalmente o sinal da cruz. Após ser abençoado e beijar sua face octogenária, tentei, em vão, atrair a sua atenção, depois de ter ficado ausente por três semanas. Ela estava, de fato, fervorosamente concentrada em suas orações.  Minha mãe é uma mulher sábia no mundo das preces.
       Fiquei ali, atento, aguardando o término da missa via rádio. E nesse ínterim, também ouvia o sacerdote, que, num sermão dirigido à juventude alcançada pelas ondas curtas daquela emissora, dizia: “Jovens do meu país, em nosso universo vocabular perambulam vários termos que, em si, encerram muitos significados; vocábulos que são verdadeiros textos. Eis alguns: Deus, Amigo, Fé, Lazer, Amor, Pelé, Rei, Vida, Orgulho, Desprezo...E, também, expressões curtas que representam a verdadeira mística intencional do espírito. São expressões com poderes ilimitados. Tais como: eu te amo, você é demais, pode contar comigo, você é linda, estou sofrendo, você é um fraco. Mas nenhuma expressão é tão básica, tão poderosa, tão expressiva e inclusiva, quanto: você é capaz, tenho fé em você, você vencerá...
        E eu, ali, naquela saleta, esperando o fim do sermão de um clérigo desconhecido. Esperava e também terminava por ouvir o que era objeto do discurso. Ouvia e, em pensamento,  de certa forma, compulsoriamente, interagia.
        Num dado momento, voltando sua atenção para mim, minha mãe, também, parafraseou uma homilia ouvida em outras missas, dizendo: é preciso que as pessoas passem a acreditar que não se ama se não existe a crença de que esse sentimento é possível; não se ama se não há a crença de que a química do amor é necessária à vida em comunhão; não se ama quando não há a crença de que o amor é um sentimento coletivo e transformador. E disse mais: o amor só existe até o exato momento em que se acredita nele. E assim sendo, já não existe amor quando se fala em “renúncia”. Pois, quem ama nunca desiste; ao contrário, crê, luta, grita, brada e vence todos os obstáculos.
       Depois de se voltar ao discurso do padre por alguns minutos, minha mãe ainda disse: é preciso que as pessoas acreditem que não existe amor individual, amor solitário, isolado do universo social. Para se falar de amor é preciso que se refira, no mínimo, a dois seres. Pode ser pessoas e/ou animais. Pois, até mesmo o que se convencionou chamar de “amor próprio”, parte da crença de que existem elementos sociais suficientes para a viabilidade desse sentimento. E  disse mais: O poeta foi feliz em declamar que  “o amor é um sentimento profundo que vai nascendo devagar, nasce e renasce de um certo jeito, que a gente não consegue explicar”.
        Quando ela terminou sua fala, o reverendo estava encerrando sua homilia, dizendo: A crença é um elemento indispensável às nossas atitudes, ao nosso fazer, à existência das coisas.
       Após ouvir a Santa Missa, minha mãe pediu para desligar o rádio; olhou-me na face e perguntou:
       - Como você está, filho? Já estava com muita saudade.
        - Bem, minha mãe! A minha viagem demorou mais que o planejado.
    - Que bom...você parece bem! - Finalizou minha mãe.
     Depois desse breve diálogo, minha genitora, cuidadosamente, apanhou sua Bíblia e ficou a declamar alguns versículos para concluir sua manhã de orações. E eu fui ao meu quarto e, exausto de uma longa viagem, adormeci quando rabiscava um texto sobre a magnitude do nosso rio Parnaíba. Adormeci e sonhei com minha mãe tocando minha face e fazendo um rosário de recomendações, como fazia quando eu ainda era criança.     

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Março de 2016