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Manoel Rodrigues Leite
Sinop / MT

 

O ouro que eu não garimpei

 

                 Penso hoje em tanto ouro, tantas riquezas, tantas preciosidades que passaram pelas minhas mãos. Não só no início foi difícil. Na primeira vez que fui me arriscar no garimpo, recordo como frescor de água, as palavras de Zé Miranda, aquele que viria depois a se tornar meu compadre, e um grande amigo. Dizia sempre ele:
                - O garimpeiro bem sucedido não é aquele que consegue muito ouro. Mas sim que consegue desfrutar de todo ouro que peneira.
                - Tá certo! Tá certo! Desfrutarei de cada grama, viverei como um rei, e serei muito conhecido. Dizia eu sem saber realmente o que aquelas palavras significavam, e seguia em frente.
                Tive sorte, aliada a muito suor misturado com um pouco de sangue meu, e de alguns amigos que não tiveram a mesma sorte que eu tive. Ganhei dinheiro naqueles primeiros anos de garimpo, desfrutei e achei que viveria como rei, na verdade vivi por curta temporada. Afinal, todo rei pode perder sua coroa que também é feita de ouro. Bebidas e mulheres a isso era bom, mas igual um “quebra-gelo” que arde a garganta antes da cerveja gelada, era o garimpo que dava sentido a tudo.
                As lavras minguam, e daí a melhor saída é procurar outros rumos. Procurei, encontrei e partir durante muitos anos. Arrisquei em comércio, mas as veias de ouro corriam no meu sangue. Sentia sempre o desejo de fazer fortuna, de fazer a vida, isso era acordado sempre que alguém dizia:
                - Descobriram ouro, em tal cidade.
                - Em tal lugar estão ficando rico.
                Arrisquei-me muitas vezes, e muitas vezes acreditem consegui. Vivia como as estações do ano no cerrado: chuvas abundantes e secas que parecem nunca acabar. Mas foi em um desses períodos de seca, no mês de maio de encontrei a flor mais bela que eu poderia querer. Percebi que era ora de me assossegar, cultivar a terra e apenas sobreviver e deixar a vida de rei para outro sonhador, para outro aventureiro. Só que sonhos nos atentam, como aquele que atento o Nosso Senhor, ele conhece nossos vícios e sabe como manter o fogo da aventura sempre acesa mesmo que uma brasa, mas está ali ano após ano, estação após estação.
                Minha flor de maio sempre dizia:
                - Jorge! Quando for para a cidade não esqueça sua família, não fique dando ouvido para seus amigos de cachaça, eles falam demais e para eles ninguém presta.
                - Que nada! Nunca esqueço minha família, e na cachaça só esquecemos são os problemas.  Dizia eu para aliviar a despedida.
                Vendia e trocava minhas colheitas e criações. E aproveitava para beber e falar dos tempos do garimpo. E, não tinha como esquecer até porque os que me conheciam me chamavam de garimpeiro. Em uma dessas idas que escutei aquela voz conhecida, e me dize que estava indo para o Pará, e me convidou, era o meu velho amigo Zé Miranda:
                - Tô de passagem, vou para o Pará. E, tenha a certeza que vou fazer a vida lá. Tem muito ouro, só que garimpeiro bom de serviço lá ainda não tem muito. O lugar é novo, e o ouro brota da terra como mato brota na roça. É hora de enriquecer meu amigo, o lugar já tá certo é vida de rei.
                - Tenho família agora. Mulher e cinco filhos. Fica difícil ir para tão longe.
                - Que nada! Se quiser dar um futuro pro seus rebentos, faça a vida enquanto ainda pode. Ou você quer vida de enxada pro futuro deles, plantar e trocar o suor por quase nada. Plantar e quase não ter o que comer, ou pior viver de roçar para os outros, sem ter seu próprio chão. Pense bem, daqui a três dias sigo o meu caminho, até lá você decide.
Falei com minha esposa, que chorava enquanto ouvia. Disse que o futuro dos filhos também era importante, os mais velhos estavam já grandes e ajudariam na roça. Era o único jeito. Então arrumou minhas coisas e preparamos as crianças. Fui sem olhar para traz, e sem pensar muito no que ficava, via em minha frente só a fortuna que eu poderia alcançar.
                Quando chegamos ao garimpo tivemos muito trabalho, ganhamos e perdemos muitas vezes. O tempo parece que girava diferente, sempre que podia mandava a ajuda para casa. O tempo de três anos passou, e vi que não tinha mais o que fazer ali, consegui muita coisa e muita coisa tinha encaminhado. O ouro já não mais brotava, e quanto menos ouro encontrava, mais garimpeiro chegava, era uma conta que nuca fechava. E resolvi voltar.
                Reencontrei a família, estavam bem melhor. Não nego que chorei quando tive que apertar os olhos e as lembranças para reconhecê-los, o tempo passara e eles cresceram mais do que eu poderia ou queria acreditar. Mas valeu apena, agora poderíamos todos ter um futuro um pouco melhor. Não teria uma vida de rei, só que agora a vida seria melhor. E, assim foi por um bom tempo.
                Contudo, sempre se quer mais, não fui mais para o garimpo. Investi e me dediquei a muitas oportunidades que fizeram enricar mais, via mais e mais. Só que aquela conta que nunca fecha via minha família menos e menos. Até que um susto na outra parte da conta me fez ir para o hospital, com um agravo que o ouro não ajudava a recuperar, notei que a saúde também foi dada como pagamento pela fortuna, e agora não a saúde estava falida. Foi nesse momento que eu entendi aquela frase de meu compadre e amigo:
                - O garimpeiro bem sucedido não é aquele que consegue muito ouro. Mas sim que consegue desfrutar de todo ouro que peneira.
                Aí enxerguei a minha filha mais moça com um vestido amarelo, e notei a pepita diante de meus olhos. Notei um a um de meus filhos entrando no quarto do hospital. E ao virar para o lado vi a minha flor de maio que também eu garimpei. Só então entendi que o ouro que mais valia era a minha família. E desfrutar não é perder, é estar perto e como um ouro bruto, transformá-lo em uma joia e o que torna ainda mais preciosa, e por isso é única e insubstituível.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Março de 2016