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Ana Rosa de Oliveira
Recanto das Emas / DF

 

Um almoço em família

 

   A composição familiar de todo mundo é um aglomerado de grupos diferentes de parentes e isso é bastante enriquecedor e complicado ao mesmo tempo para quem não estiver preparado.
  As nossas reuniões na maioria das vezes eram muito agradáveis, mas o espírito de confraternização ou comemoração nem sempre resiste até o final. A bebida deixava a turma mais animada e consequentemente as línguas se tornavam mais afiadas e livres de qualquer censura, o bom senso desaparecia por completo e tudo poderia virar uma grande confusão – segredos eram revelados e mágoas vinham à tona. Numa destas ocasiões briguei com uma das minhas irmãs mais novas, foi tão grave que somente voltamos a nos falar alguns anos depois daquele episódio.
  Também aconteciam coisas boas, aliás, era por isso que nos reuníamos, para longas conversas, bebericar e falar mal dos ausentes.
  Ah! Os nossos parentes! A vovó sempre com aquela tosse seca e um o pigarro que não a deixava à vontade em meio a longas conversas - também não largava o cigarro forte e fedorento que ela teimava em fazer com fumo picado que ela enrolava pacientemente em papel ou palha de milho seco. Acendia aquela coisa em qualquer lugar empestando o ambiente e ai de quem reclamasse, levava um passa fora sem a menor cerimônia!
  Havia o primo inconveniente, cujo forte era uma piada de mau gosto, era também especialista em contar vantagem - tudo dele era mais interessante – desde o carro ao curso de graduação, sem contar a linda namorada da qual os amigos tinham inveja! Mas ele tinha uma qualidade muito apreciada por quem organizava o almoço – qualquer que fosse a comida ele apreciava e não poupava elogios, gostava mesmo, não falava só para agradar, era bom de garfo!  Continua assim até hoje e apesar de fanfarrão é um sujeito generoso, todos o adoram e perdoam-lhe os exageros.
   Naquelas ocasiões não faltava o pessoal falando com a boca cheia ou palitando os dentes de forma acintosa fazendo com que alguns desejassem ter escolhido ficar numa das mesas espalhadas pela varanda.
  As crianças apesar de perturbarem a ordem eram as que mais se divertiam. Naquelas ocasiões ficavam praticamente livres do controle dos adultos, sobretudo dos pais que também queriam ficar mais à vontade.
   O setuagésimo nono aniversário de minha mãe foi um inesquecível dia chuvoso, típico de verão - o dia em que a Fernanda engoliu um botão durante o almoço. Ficamos assustados pensando que fosse um osso de galinha, e em meio a tanto alvoroço, na pressa em socorrer a criança, meu pai caiu da escada, quebrou as duas pernas, gente que almoço foi aquele!
   Até hoje ninguém esqueceu, sobretudo porque foi engraçado quando o médico mostrou a radiografia, em vez de osso, lá estava um inexplicável botão.
    Meu pai levou bastante tempo para se recuperar, até hoje reclama de dor em uma das pernas. Quanto ao botão foi expulso naturalmente, sem precisar de nenhum tipo de procedimento cirúrgico.
    Aniversário ainda é o maior acontecimento em família, pelo menos na minha – antigamente eram mais comuns, talvez porque a maioria já chegou ou está beirando os cinquenta e não queira tornar publica a sua velhice!
    Antes era batizado, noivado ou pedido de casamento, agora as crianças já cresceram e com o estabelecimento de outras prioridades os casamentos estão cada vez mais escassos.
    Costumo lembrar como éramos muito animados, tenho saudades daquele tempo até mesmo dos nossos exageros.
    A casa cheia, a bagunça, a briga para ver quem ia ajudar na arrumação da cozinha e as folgadas saindo de fininho... Os homens jogando dominó na varanda, as crianças correndo pelo quintal e o mais velhos cochilando em algum canto esperando a melhor hora de voltarem as suas casas. Depois iam embora da mesma forma que chegaram e aos poucos tudo era silêncio.
   Apenas no aniversário da minha mãe ainda nos reunimos para almoçar, mas a cada ano diminui o número de participantes. Os ausentes sempre encontram uma boa desculpa prometendo vir na próxima ocasião.
   Em todas as ocasiões as comparações e as lembranças são inevitáveis: no aniversário de quinze anos da Nina não faltou ninguém, nos setenta anos do tio Antonio também não. Poucos foram ao centenário de tia Zizi, a mulher mais velha de nossa família. Era  mais conhecida pelo seu humor um tanto ácido do que pelo seu senso de justiça - tratava todo mundo da mesma forma.
    Há quem não goste destes momentos, para mim eram foram ocasiões muito especiais, principalmente porque fortalecia nossos laços. Lembrava-me de coisas que muitos já haviam esquecido e eles às vezes também resgatavam episódios dos quais eu fazia questão de manter enterrado, sobretudo se foi gafe ou vexame, para não ser novamente alvo de gozação.
    Quanta coisa se resolvia nesses encontros!
    Em primeiro lugar apaziguavam-se os brigões incluindo os do último encontro, esse era de fato o melhor acontecimento. Depois se aproveitava a presença da maioria para decidir aonde nos encontraríamos na próxima vez, depois nada mais era importante do que aproveitar a festa.
    Meu irmão até hoje insiste em contar sobre o que ocorreu no dia em que misturei vinho com cerveja, mas esta é outra história...

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Março de 2016