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Darlene da Costa Diniz
Londrina / PR

  Minhas cãs

 

   “Coroa de honra são as cãs, quando elas estão no caminho da justiça.”
(Bíblia Sagrada, Provérbios 16, verso 31)

Ainda até hoje não sinto, de jeito algum, a tal da velhice.
De vez em quando escuto coisas sobre a ancianidade, mas nunca guardei nos meus pensamentos.
Nunca dei a mínima apesar de que ela (a idade) se faz presente sem querer. É aparente. Já não consigo andar tão rápido como antes (até em árvores eu gostava de subir, andar de bicicleta). Ainda ando, mas ficaram um pouco restritas as pedaladas.
Sempre coloquei as cortinas na sala, na cozinha ou nos quartos, depois que eu as lavava e passava. Hoje quase não dá. Esses dias quando consegui colocar a cortina da cozinha, meu filho do meio viu e ficou tão bravo que saiu, foi para o trabalho e nem almoçou. Creio que o que chateia mesmo é esta falta de confiança que sempre tive nas pequenas coisas, como fazer pão (e os filhos falam: “não vai esquecer o forno aceso”).
Outro dia disse para o filho do meio ter mais cuidado, pois vi no whatsapp sobre ladrões e quis alertá-lo com precauções que deveria ter. Sabe o que ele falou: “Mãezinha, quem tem que ter cuidado é a senhora que já é idosa”.  Pensei em correr atrás dele e lhe dar umas palmadas como era antes, mas repensei “se correr ainda caio e levo um tombo; dai sim é que estarei assinando meu atestado de idosa”. Resolvi, então, ir beber um cappuccino e comer um lanche e dei muitas risadas.
Mas, na verdade, na vida , depois dos 70 anos, queira ou não, você ouve muitas indelicadezas para a idade. Certo dia um senhor veio colocar umas portas em minha casa e jogou as pérolas: “a senhora tem que idade? A senhora ainda dirige?”.  Fora de piada. O “ainda” é o xis da questão. Fiquei com vontade de mandar o distinto para bem longe. Mas sempre a educação e a paciência tem que caminhar juntas. O senhor me disse “eu tenho oitenta e nove”. Na verdade, nem tinha visto este lado do homem, ainda mais que estava colocando as portas com muita sabedoria e senti que era uma pessoa educada, mas o que o distinto senhor falou não é propriamente dito uma falta de educação. De certo que levei como que falou sem um pingo de maldade ou coisa parecida. Tem pessoas que ainda falam, mas torna-se difícil, às vezes, quando vão muito pelo que vestimos e notam nos mínimos detalhes. Mas tem uma coisa: com a idade aprendemos quase tudo, desde insistimos na leitura  (particularmente leio de tudo – não posso nunca dormir sem antes ler. É um hábito).
Também ficamos com os sentidos mais aguçados. Com a idade chegando igual a minha (brincadeirinha, pois já sei que verei o morro da boa esperança e também sei que já estou nos acréscimos do jogo da vida) diferente de ser é sentir. Ainda não senti com mais intensidade esta tal velhice. Preocupo-me mais com o que eu penso que ainda está cor-de-rosa que com o que ficou cinzento. Talvez o rosa esteja um pouquinho escuro, mas nem tanto.
Com certeza fica mais apurado o gosto por tudo. Posso passar tristeza, raiva, mas logo zera tudo e perdoo. Penso que quando se tem, de verdade, Deus no coração o resto não importa. Você tem fé e coragem. Dirijo ouvindo música e nunca tive medo, sinto uma total segurança que até mesmo eu me surpreendo. Mas penso logo que Deus não me larga nunca.
Com o tempo sentimos a risada com mais intensidade. As cores para mim são mais encantadoras e penetra mais no meu coração. Agora o perfume... ah, o perfume, este eu o distingo bem. Nunca comprei um perfume porque alguém usa, mas porque eu gosto. Aliás sou uma senhora interessante (modéstia à parte), apesar de ter vários perfumes que meu filho e minha nora me trazem das viagens, a trabalho e também viagens de lazer que fazem. De fato, gosto sempre de um só para todos os dias. Em casa, no inverno, uso outro e após o banho tenho um terceiro que é uma água de cheiro. Isto me deixa vaidosa e me sinto muito viva, chegue o tempo que chegar e quando Deus quiser.
Claro que algo pode mudar fisicamente, principalmente na aparência, mas a minha percepção e as minhas sensações não mudaram (espero que continue assim). Gosto de futebol, gosto de saber o que passa no nosso mundo, gosto de ler tudo no jornal e livros, gosto de plantar flores e esperar sair o botão com carinho.
Agradeço ao meu bom Deus que pude ser avó. Meus três netos (dois meninos e uma menina) representam um presente dos Céus. O Senhor estava guardando para mim a melhor parte para esse momento da vida. Ele sabe dos meus sonhos e os realiza e cuida de mim também, desde o despertar até a hora de dormir. E durante os meus sonhos também. Dizem que sou uma sonhadora. E como não tê-los?
Gosto de cuidar da minha casa e dos meus filhos. O meu filho trabalhador (artesanal) tem calos nas mãos, mas eu sempre o incentivo a trabalhar no que gosta, apesar de ter duas faculdades completas. O que ele mais gosta é pintar casa, portas, etc. Ele também ama mexer na terra. Penso como este filho se parece comigo; talvez sua fonte inspiradora. Meu outro filho, formado em Direito, pensa numa pessoa simples que sempre gostou de estudar e ler. Prestou concursos e passou com louvor. Hoje está realizado com sua profissão. Minha filha formou em Direito e é advogada, cursando Mestrado. Fez vários cursos e é muito esforçada. Sou feliz com esta minha família.
Gosto muito de onde moro. Meu quarto é meu Palácio, meu Reino. Leio livros quando estou sozinha no meu quarto, mas definitivamente não estou só nestas horas. Parece que tem muita gente por perto. Viajo muito na minha imaginação. Penso que quem escreve e lê nunca está sozinho. Então com a chegada da velhice não senti diferenças grandes, porque afinal cada dia é um dia especial, e você não perde o fio da meada, da sua vida. As coisas aparentes que acontecem no nosso corpo a gente vai sentindo e se acostumando. Assim fica mais fácil você sentir a chegada da velhice e enfrentar tudo com sabedoria e com muita paciência.
O bom disso tudo é que estamos vivos com saúde. A sabedoria só aumentou. Assim se vive mais e com mais amor, sonhos, perspectivas e qualidade de vida.
Lá atrás, com 73 anos, eu estava me despedindo da vida.
Hoje estou começando a viver...

 

 
 
Conto publicado no "Histórias (incríveis) da meia-noite" - dezembro de 2016