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Willian Antônio Zacariotto
Mogi Guaçu / SP

  Isla dos mistérios

Mistérios de RAPANUI   


                Última parte do trajeto, o sol força a entrada pela janela do avião. Frio na barriga, amargo na boca, mas está chegando... Ah, finalmente o meu sonho irá se realizar!  Desde pequeno tinha em mente que, um dia, iria conhecer a famosa Ilha de Páscoa, ver de perto suas estátuas, seus mistérios e a história de seu povo único, diferente de tudo no resto do mundo. Naquele momento, a concentração era total, passei a observar as pessoas dentro do voo, nativos e sonhadores, todos com um único destino. Os nativos transportando tudo (pranchas, água, rosquinhas), pois a ilha está longe de tudo. Os turistas, equipados com câmeras e roupas de exploradores, uma sinergia única, enorme diversidade de línguas, raças e culturas.
                Chegamos às três horas e doze minutos da tarde. Pista enorme, que cruzava de um lado a outro da ilha, um único voo diário. No minúsculo e desorganizado aeroporto, guias, nativos e vendedores aguardavam os visitantes. De cara, percebemos que o local era místico, diferente, com muitas línguas, força, repleto de fé. Não sei, mas algo tocava minha mente e incendiava meu coração para conhecer o local. O problema maior era o investimento, um turismo caro, diferenciado, uma rota a qual poucos conheciam. Enfim, o sonho estava próximo de se realizar, pois o tinha ganhado de meu irmão, um presente fino e luxuoso da família. Assim, ambos estávamos juntos nesta expedição.
                Desembarcamos sob um sol torrencial, e, de cara, o “MOAI” (estátua de pedra vulcânica), recebia todos. A emoção pegou, lágrimas escorreram, parei e saquei a câmera imediatamente; inúmeros cliques sobre a mesma imagem. Pegamos o carro locado e dirigimos até o hotel; lá, deixamos a mala e iniciamos nossa exploração.
                O primeiro local foi o altar de moai chamado Tahai, próximo ao centro. Havia oito estátuas neste sítio; quatro dessas ainda teimavam em ficar em pé, e, a seu lado, outro altar; nele, apenas um, que era uma verdadeira obra de arte, tendo, na cabeça, um “pukão” (chapéu) e olhos imponentes, também estando de costas para o mar; na minha visão, ele estava me saudando e continua lá, sempre esperando quem chega a sua casa para conhecê-lo.
                O tempo passou rápido, e escureceu cedo na ilha. Às dezoito horas, uma infinidade de pessoas chegava ali para visualizar o encerramento do dia, o pôr do sol, o Tahai é especial. O silêncio imperava, e o único som ouvido era o dos cliques das câmeras, todas admirando o encerrar de mais um dia.
                Pela manhã do segundo dia, iniciamos a exploração: Vulcão Rano Kau, Orongo (onde eram os rituais dos nativos) e sítios de moais, estes últimos, a representação de um nativo, uma pessoa, sem haver nenhum único igual. Reza a lenda que esses sítios são feitos para as pessoas importantes da família, que, quando falecem, têm sua estátua criada, para que continuem a dar bons fluidos para a tribo. Assim, cada face é diferente: um olhar, um nariz, um adorno, uma tatuagem, com formatos e tamanhos diferenciados, intrigando cada vez mais todos os que a conhecem. Havia um sentimento de que tudo aquilo era familiar, algo que estava muito próximo a mim, parecendo que eu havia vivido junto daqueles sítios a vida inteira.
                Conhecemos a história de um povo dizimado, entre ahu (altares) de moais, cavernas, vulcões e praias (estas, as águas mais azuis e geladas que havia visto até aquele dia), transparentes como as nuvens do céu. Conhecemos, em um só dia, mais de dez altares, vulcões e locais e voltamos ao hotel, para o famigerado descanso diário, a fim de que, no outro dia, continuássemos a expedição. Dos três dias planejados, dois já haviam sido gastos.
                À noite, deitados na cama do hotel, sem tevê (aliás, fato raro na ilha), meu irmão pediu que fosse buscar umas cervejas para que comemorássemos mais uma noite por lá. Levantei, peguei a chave do carro e saí em busca de um mercado, de uma venda, ou de um bar.
                Na ilha, tudo é caro, e é necessário pesquisar bem, para não pagar um alto valor. Na mesma rua do hotel, perguntei em dois locais, o preço era exorbitante, decidi procurar mais.
                Chovia forte, reduzi a velocidade e senti que seria difícil descer do carro. Avistei uma pessoa, na chuva, que me acenou. Mal parei o carro, e ela entrou, mesmo sem minha autorização. Era uma bela morena, de olhos saltitantes, negros, que brilhavam como jabuticaba, com cabelos longos, nariz reto, uma maravilha de DEUS. Fiquei estático, e ela falava uma, duas, três, quatro frases, sem me dar chance de explanar algo. Perguntei seu nome, e ela me respondeu “Hana-lau”. Engatei a marcha e continuei a dirigir, passando por um, dois mercados, enquanto ela me dizia “Arriba, arriba! Continuei em frente por mais uns três quilômetros e, em uma bifurcação, parei o veículo, comecei a elogiar a garota, em espanhol, e tentei roubar-lhe um beijo. Ela o desviou. Disse que Makemake (deus Rapanui) a tinha mandado para mim, abriu a porta, saiu e gritou “Amanhã, dezoito horas, no Tahai”. Em seguida, partiu em disparada pela chuva. Desci do carro, mas não consegui alcançá-la. Ela adentrou em uma trilha escura, tive medo, chamei-a, gritei e nada. Desisti.    
                Acordamos em nosso último dia na ilha, ficamos a tarde toda na praia e me adiantei. De banho tomado, parti para o local combinado, mas o carro começou a engasgar e parou. Empurrei, ajudei o “danado”, e nada do carro pegar. Decidi, então, ir a pé, correndo feito um louco.
                Ao chegar ao local, atrasado, percebi que o pôr do sol estava em seu fim, com mais de duzentas pessoas por lá. Busquei a deusa, e nada aqui, nada acolá. Na busca incansável, não a encontrei. Fiquei triste, magoado, mas não havia mais o que fazer. Voltei à trilha onde a tinha deixado, e nada de encontrá-la. Meu voo sairia às onze horas do dia seguinte. Passei a noite procurando-a, mas, sem conseguir achá-la, acabei chegando ao mesmo local onde havíamos marcado nosso encontro e fiquei lá a noite toda.
                Ao amanhecer, percebi de relance uma estátua parecida com a moça de minha procura. Olhei para ela e me lembrei de que, atrás de cada uma, havia um nome. Invadi o período permitido, e, nas costas daquela estátua, uma inscrição, que dizia “hana lau” (em português, amor sempre).

 

 
 
Conto publicado no "Histórias (incríveis) da meia-noite" - dezembro de 2016