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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

A Terra pede socorro

 

A história que vou lhes contar é a história de todos nós: o pedido de justiça e de solidariedade que falta nos corações humanos nesses últimos dias sangra a terra e a lei da semeadura não pode deixar de ser cumprida. Estamos maltratando o planeta, estamos maltratando a vida, estamos maltratando as palavras que saem de nossas bocas repletas de violência, poder e corrupção. Precisamos mais que urgentemente olhar para os céus e evocar a Potência das potências por misericórdia, pois o homem tem se afastado muito de nossos antepassados. Estamos permitindo que a violência ultrapasse os limites nunca antes alcançados. Nossos lares estão contaminados pela ansiedade e pela busca de materialidades passageiras. Estamos ferindo a terra a todo momento, espalhando o nosso lixo e amontoando detritos em nossos corações. Quem parará tudo isso? Por que a corrupção se agiganta de tão maneira em nosso país? Por que a seca assola o nosso chão? Por que tanta produção intelectual com tão poucas práticas de justiça social? A terra pede socorro?
A história que ora estou tentando narrar, por si mesma caminha sob o destino de vozes que invadem o cenário de nossa nação como búfalos e camelos perdidos na busca por desvios que mutilam e cegam o homem em sua prática de demolição de si mesmo. E ficamos nós, divididos neste marasmo de ideias, defendendo pensamentos repletos de alucinações e interpelados por simples palavras que se afogam rapidamente no mar do esquecimento. Nem percebemos que estamos envolvidos também neste jogo mesquinho de luta sem armas na mão, desarmados de lídimas palavras que possam finalmente desarmar os salteadores de nossa nação. A falta de água ou de queda de chuvas para renovar a nossa fauna e flora brasileira e mundial, condiz com a nossa própria vida, pois também estamos no mesmo caminhar, deixando de se alimentar de palavras que realmente nos aproximam de Deus para alimentar-nos de palavras que se aproximam do caos, do desvio, da corrupção e da prática de ações que nos tornam empedernidos e cruéis. A terra pede socorro!
Como peças no tabuleiro de damas, estamos a jogar do mesmo jeito que eles, representantes dos interesses mesquinhos e individuais, jogam e manobram a massa pensante, tornando-as presas fáceis para serem aprisionadas ao seus discursos ideologicamente produzidos sob a máscara da prepotência, do desmando e do continuísmo que adoece o sistema que nos governa. Precisamos abrir os olhos e narrar sob um novo olhar: um olhar que desarme a nós mesmos de nossa própria cegueira. Porque enquanto estivermos agindo de forma dual e iluminista, dividindo-nos em nossos discursos, pondo em prática exatamente o que o poder ordenar e quer, continuaremos presas fáceis deste sistema manipulador, visual e comunicacional. Precisamos depressa narrar sob o olhar de um eu ferido que precisa encontrar um novo caminho em direção ao horizonte que nos dê de volta o que perdemos de nossa formação cultural e cristã. O cristianismo tem se direcionado sob perigosas estradas que, no final, estão também contribuindo para que o nosso planeta continue sob as rédeas de um poder que massacra o povo em suas pobres moradias e habitats desconcertantes. Se não plantarmos, nada nascerá; se não regarmos, nada crescerá; se não amarmos, tudo perecerá. Assim como são as plantas quando são devidamente cuidadas, são também as pessoas. Elas precisam cuidar de si mesmas para que possam como as plantas: plantar, nascer, regar, crescer, florescer, amar e viver. A terra pede socorro!
 Narrar é sempre preciso. Narrar o inevitável, o inenarrável, o que é visto e vivido. A nação narra episódios de dor. A comunicação explora a angústia de um povo sofredor e as coisas saem do lugar, deslocando sentimentos, pensamentos, crenças e opiniões. A língua sofre por essas infrações cometidas pelo homem, porque ela tem que se adaptar a esses novos tempos em que o homem é lobo do próprio homem. Nasce um nova “cegueira” em nosso meio, e vinga sem precedentes, uma geração de “maquínicos” discípulos que defendem de olhos abertos a “ralé” dominante e vestida de planos secretos para distanciar o homem da sua legítima democracia. E a terra é sangrada com novos signos e projetos vingativos que separam os humanos de sua legítima condição humana. E novos lixos se espalham sobre a terra que se deleita na relva da corrupção, aflorando um turbilhão de explosões de violência que nos atacam de montão. Quem será o narrador dessa alucinada manifestação que usa o verbo para sangrar o homem nas praças de aglutinação? O narrador sofre, e se o filósofo e historiador Walter Benjamin, judeu de origem alemã ou alemão de origem judaica, estivesse vivo, certamente escreveria um novo livro, intitulado O falso narrador que narra vendido pelo poder que impede o homem de pensar e agir sob as rédeas da libertação. A terra pede socorro!
A arte se apavora, a criação ofusca a sua forma de pensar e agir. E, sob as pisaduras de seus ricos interesses golpeiam-se com o machado do individualismo sanguinário e assustador. A arte engana a arte, imitando o engano do usurpador. O homem é o desastre desta arte que lhe esvazia de seu real sentido porque a arte tem que ser acidental e não ocidental. A arte tem que romper com o poder estabelecido e não se vestir das mesmas águas que bem o sistema avassalador que oprime as multidões com suas artimanhas e práticas que chamam de assistencialistas. Precisamos de assistencialismo, mas precisamos de um assistencialismo que não rime com corruptela, injustiça e apadrinhamentos politiqueiros... E o narrador desta crônica respira profundamente o cansaço de uma dor que lhe toma o seu peito: a dor que lhe faz um crítico contumaz de uma realidade que aprisiona os pobres mortais a continuarem regidos sob a mesma música tocadas há tempos atrás. O narrador clama por uma desconstrução, clama por um descontinuímo na história de sua gente, pois acredita que o continuísmo só vicia o poder a continuar no poder, custe o que custar, e isto é um crime bárbaro que o narrador denuncia sem máscaras e feitiços, porque quem narrar já viveu sob os limites-extremos da existência humana, já enfrentou a morte cara a cara, e conseguiu ser um sobrevivente, para hoje, por meio desta história em forma de crônica que ameaça o discurso que vira as costas para a natureza, que é fonte de vida e beleza. A terra pede socorro! E o narrador se despede das palavras deste momento com a certeza de ter cumprido a sua missão, de ter escrito munido pelo desejo de tornar nosso planeta um lugar habitável, vivível e sem a presença da corrupção que distancia o homem de sua primitiva origem essencialista e imaculada, divina e libertária.  

 

 

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Junho de 2016