Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

  Teresa Cristina Cerqueira de Sousa
Piracuruca / PI

 

Após o enterro

 

       A chuva fina voltou. Meu vestido claro deixa entrever o bico de meus seios. Escondo esse fato cruzando os braços. As pessoas começam a sair do cemitério. Meu Deus! Esta é a oportunidade para eu ligar a moto e sair como se houvesse entrado para o enterro. Que coisa! Mas como posso adentrar num cemitério se ainda não tenho forças para passar perto do túmulo de meu irmão?
Giro a chave no contato da máquina. O barulho do motor funcionando espanta meus pensamentos. Respiro fundo com receio de encontrar algum conhecido por entre as pessoas. Alívio. Ninguém parece notar que apenas segui o cortejo do enterro sem entrar no cemitério.
Imediatamente entro numa rua desconhecida. Droga! Esta rua é muito escura! Suspeito de que vou ter pensamentos com mortos e almas. Olho para frente entorpecida de vontades de apenas ver a estrada... ou de pensar somente nisso.
O calçamento é ruim. Sinto medo de cair por estarem lisas as velhas pedras de ardósia, e a ideia deixa meus reflexos mais lentos. Não posso pensar em cair da moto, não por sugestão de minha própria mente!
Como esta ambulância entrou na rua? O som do motorista me gritando envia-me um pavor nas veias. Quem é ele? Não conheço a voz.
Não olho para os lados. Nem mesmo nos cruzamentos. A minha sorte é que depois das vinte horas e com uma chuvinha gostosa assim pouca gente sai de casa. A rua da Goela está quase vazia... Quem iria querer passear numa cidade pequena num momento desses? – A menos que sejam os ladrões que resolveram fazer plantão toda noite agora.
Coisa? Será que preciso encher a cabeça com ideias ruins? Pisco rapidamente os olhos e um desejo de sair logo dali me acomete. É claro que prefiro a segurança da minha casa.
De repente sinto a presença de outra moto pelo retrovisor – com dois ocupantes, não diferencio os sexos.
Os motociclistas permanecem atrás de mim por dois quarteirões. Fica desnecessário julgar que não me seguem, pois quando viro à direita eles estão logo no meu encalço. Como posso não tremer de medo nessa situação?
Com uma calma fingida, viro agora para a esquerda. Eu sinto como se uma alma estivesse segurando firmemente meus pés e isso me exigisse um enorme esforço para passar as marchas da moto. Automaticamente, engulo em seco. São meus ouvidos que sentem o som de quando eles também aceleram o transporte deles.
Não estou nem um pouco bem. Acho que vou gritar. Estou sentindo que meu estômago se contrai. Tenho absoluta certeza de que meus braços endureceram, sem que suas veias parassem de pulsar continuamente. Estou sendo seguida talvez por ladrões ou maníacos esperando que eu pare na porta de minha casa, quem sabe?
Essa interrogação me deixa mais apreensiva ainda. Ah, meu Pai do Céu, como vou pegar a rua de casa nessa situação?
A moto fica ao meu lado.
— Boa noite, professora!
Minha garganta se resseca, e eu fico num fio de voz.
— Boa noite!
Eles me olham e falam apreensivos.
— Sua casa ainda está longe? Resolvemos vir atrás da senhora já que a cidade anda tendo muitos assaltos...
Meu coração se expande, mas falo com vergonha.
— Ai, meus queridos, eu jurava que vocês estavam me seguindo para me fazer o mal... Como me desculpo por esse julgamento?
Eles sorriem, mas ainda assim fica a impressão de que eu os ofendi. Nunca mais vou ter a inocência de olhar para eles e saber que não vivemos amedrontados por roubos e assaltos ou que meu inconsciente não me acusa de ter medo de alma.
— Tudo bem, a senhora não tinha como saber que éramos nós – seus alunos! Mas como a chuva não passa e ainda pode faltar energia – que é costume daqui – a senhora pode seguir que iremos terminar de acompanhá-la até sua casa.
Prossigo em silêncio. Minha roupa está toda encharcada e minhas sandálias também. Uma mulher com vergonha de pensar mal das pessoas ou de ter medo de ir a enterros à noite é o que sou. Nunca mais vou a enterros durante a noite. De ninguém! Talvez o meu seja à noite daqui a alguns anos. Mas aí não serei eu que irei com meus próprios pés, os outros é que me levarão nesse caso. Coisa! Pensamentos de morte outra vez! Acho que preciso é de um copo de leite quente e de dormir quando chegar.
Os alunos buzinam dizendo que estão se indo ao momento em que paro minha moto no portão de casa
.

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Junho de 2016