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Ismar Carpenter Becker
Rio de Janeiro / RJ

 

O taxista sem noção

 

 Loveral Silva, desempregado depois de trabalhar vinte e cinco anos numa fábrica de tecido, pegou a indenização a que  tinha direito após ser demitido e comprou um táxi. Loveral, então, saiu pelas ruas...  mas havia um pequeno detalhe, ele não conhecia os trajetos da cidade que crescia cada vez mais.
Na sua primeira corrida pegou uma senhora que pediu que a levasse em Rocha Miranda. Loveral pegou o Guia Rex para ver o trajeto, mas com preguiça de ler preferiu seguir as placas desbotadas e pichadas da cidade. Pegou, então, a Linha Vermelha, seguiu pela rodovia Washington Luís e quando já estava em Itaipava fez o retorno e chegou ao destino.
Com vergonha, não cobrou a corrida. A senhora em questão perdeu a consulta no proctologista e as suas hemorroidas latejavam de dor de tanto buraco e quebra-molas na estrada. Além disso, a senhora comeu cinco pacotes de biscoito recheados e três litros de refrigerante, de tanta ansiedade.
Loveral não desistiu e pegou outro passageiro, desta vez para o aeroporto, deu tanta volta, fez tanto retorno que quando chegou no Galeão o avião já havia pousando em Bagdá.
Apesar do tiroteio, Loveral seguiu viagem pelo oceano, mas não deu certo, e com vergonha só cobrou a gasolina. Aproveitou tomou um chá, passou pelo Irã, Síria, Líbano, chegou ao Brasil. Passou por Recife, Feira de Santana e finalmente chegou ao Rio, exausto .
Loveral já estava ficando decepcionado com a profissão devido às multas e o desgaste dos pneus , mas mesmo assim continuou. Pegou um casal que pediu para que os levasse a um motel. O taxista rodou tanto que o cavalheiro que havia tomado um estimulante sexual não conseguiu se conter com o remédio fazendo efeito e fez amor no banco de trás do carro em meio aos solavancos, quebra-molas e freadas bruscas.
Noutra vez pegou uma passageira que pediu que a levasse ao presídio pois ela queria visitar seu marido apenado por ter furtado uma banana na feira (enquanto um Senador da República que havia desviado bilhões de dólares foi “condenado” a prestar trabalhos a comunidade. Loveral demorou tanto que o preso em questão saiu em regime semiaberto, teve uma recaída, furtou um gomo de tangerina e pegou trinta anos de prisão tendo que cumprir pena em outro estado.
Para evitar essa situação Loveral se rendeu a tecnologia e resolveu comprar um GPS, mas acabou se estressando com aquela voz chata - “vire à esquerda e depois à direita” - que jogou o GPS pela janela.
Pegou, depois, um passageiro que pediu que o levasse para um endereço que por coincidência era o seu, ficou encafifado, mas seguiu mesmo assim. Chegando ao destino descobriu que era sua casa e sua esposa o recebeu junto com o Ricardão.
Desistiu da profissão, pegou o resto da indenização, abriu uma agência de viagens, mandou gente para Paris via Paquistão, pessoas para Disney via Tóquio, outro grupo para Itália via Faixa de Gaza, mandou freiras para Roma via Afeganistão e os talibãs agradeceram o intercâmbio religioso.

 

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Junho de 2016